Era uma vez, uma mãe bem gorda e carinhosa.
Ela tinha dois filhos e os tratava com o mesmo amor. Eles tinham nomes
bem comuns e por isso todos os chamavam
pelos apelidos. O mais velho era o Bicudo. Um garoto forte, sério e
organizado. Andava sempre alinhado e não se misturava com ninguém.
Cenoura era o filho mais novo. Mais descolado, saía com a galera, bebia
cachaça e sonhava ser músico. A família morava em uma fazenda e tinha
muito dinheiro. Os garotos passavam o dia inteiro jogando bolinha de
gude. O mais novo era bem mais habilidoso e o mais velho era muito forte
e vingador.
Tudo corria bem até que o mais novo ganhou dez
vezes seguidas do mais velho! Nesse dia foi uma briga feia! Eles
brigaram tanto que a mãe teve que construir uma casa para cada um.
Cenoura ganhou uma casa bonita e verde. Que ele mesmo ajudou a
construir. Estava adorando essa nova independência. Bicudo ficou
enciumado e começou a reclamar. Chorou tanto que a mãe teve que
construir uma casa ainda maior, porque a criança simplesmente não parava
de chorar.
– “Maior!”, dizia. “Maior”!
A Mãe era
rica, mas não tinha dinheiro suficiente para o tamanho do capricho do
filho. Não restava saída a não ser pedir ajuda ao Pai das crianças para
construir a nova casa. O Pai era um senhor bom, muito rico, mas um pouco
mulherengo. Em uma dessas escapadas, engravidou uma bela jovem
italiana, filha de um nobre padeiro da cidade. A esse novo filho, o
chamavam de Parafuso, porque era pequeno como o macarrão e adorava
pregar peças.
Ao saber da traição, a Mãe Gorda mandou colocar
fogo na padaria e matar toda a sua família. O incêndio queimou tudo, mas
como último suspiro, a jovem deu a vida para salvar o filho.
O
Pai, arrependido da traição, concordou em construir uma casa bem
grande, do tamanho do Maracanã. Mas tinha uma pequena condição. A Mãe
Gorda teria que aceitar que o filho de fora do casamento também morasse
nessa nova Casa Grande. E tinha que cuidar do pequeno Parafuso como se
fosse seu filho. Ela pensou: “Essa casa é bem grande, cabem os dois. E
esse moleque é tão franzino que rapidinho morre. Dá até dó, coitado!
Hahahahaha”.
O mais velho não gostou nada de dividir a nova
Casa Grande com aquele garoto estranho, mas foi convencido pela mãe de
que seria temporário. Em breve a casa seria só dele.
E assim
foi. A Mãe Gorda olhava para os três com muito amor. E se sentia bem
consigo mesma: “Como sou acolhedora e hospitaleira”!
O tempo
foi passando e aquele menino franzino foi crescendo e ficando um pouco
mais forte. E timidamente admirava os novos irmãos jogarem bolinha de
gude. Ficava visivelmente encantado com a habilidade do mais novo, o
Cenoura. Lá do seu canto, afastado dos outros, Parafuso inventava
partidas fictícias contra oponentes imaginários. E assim, todas as
tardes brincava sozinho e se divertia um montão. Às vezes, o mais novo
lhe ensinava algum truque, mas a Mãe Gorda sempre interrompia:
– Já disse que não quero ver você com esse bastardo!
O orgulho da Mãe Gorda era ver os filhos nos campeonatos de bola de
gude. E resolveu inscrever os três em um torneio nacional. Sua intenção
era humilhar aquele moleque franzino na frente de todos e provar que
seus filhos legítimos eram melhores que o filho de uma estrangeira
qualquer.
Mas não foi bem isso o que aconteceu.
Bicudo, o filho mais velho, foi logo eliminado na primeira fase.
Cenoura, conseguiu ir mais longe, mas a boemia sempre parecia um atrativo melhor.
Para a surpresa de todos, o moleque franzino foi avançando, avançando até chegar a final.
A Mãe Gorda dizia: “Que sortudo esse menino. Uma pena que não vai ser campeão. Mas tem muita sorte. Sorte pura. Hahahaha”.
E de fato a disputa final foi bastante complicada. Seu concorrente era
um negrinho chamado Gasolina, um primo do interior que foi fazer a vida
no litoral de São Paulo. Diziam que ele era o Melhor do Mundo.
Todavia, com criatividade e habilidade fora do comum, o moleque franzino
conseguiu ganhar a primeira partida dentro de casa. E também ganhou de
virada a partida fora, surpreendendo a todos no país! Parafuso era o
Campeão Nacional de bolinha de gude!
O pai estava vaidoso! A
Mãe gorda fingia orgulho, mas no fundo ela se arrependia de não ter
matado aquela criança. Ela se sentia ferida e humilhada. Precisava
mostrar pra todo mundo que o filho dela era muito melhor. Mas Bicudo por
mais que tentasse não levava o menor jeito para bola de gude.
Então, a Mãe ligou para a Avó das crianças, uma senhora muito poderosa, e
exigiu que seu primogênito entrasse para seleção Brasileira, que ia
disputar o Mundial. E fez questão que desconvocassem o moleque franzino,
porque ali não era o lugar dele, dizia. Ela ia provar para o mundo o
valor do seu filhinho, custe o que custar.
A Avó, uma velha
ainda mais gorda e extremamente autoritária ligou para o treinador e
forçou a entrada do Bicudo na seleção. Ninguém no país gostou. Muito
menos na seleção.
O técnico disse: “Cuide de seu ministério, que eu cuido da escalação do meu time”.
A Avó, sem titubear, mandou cortar sua cabeça e botou outro bem mais obediente em seu lugar.
Dito e feito. Bicudo foi convocado e viu do banco de reservas o Brasil ser Tricampeão Mundial…de bolinhas de gude.
Mas a Mãe Gorda ainda não estava satisfeita. Tinha que fazer de tudo
para que o seu filho pudesse ganhar um título e enfim ser campeão
brasileiro. Estava disposta a qualquer coisa, inclusive a se misturar
com a gentalha. Então foi fazer amizade com as classes mais pobres. E
sabe de uma coisa? Essa mistura fez muito bem pro Bicudo… Ele ficou mais
bem humorado, mais descontraído e até um pouco mais habilidoso. Mas, a
arrogância e o sentimento de vingança nunca o abandonaram. E o pior.
Para atrair os mais humildes que estavam encantados com o carisma de
Parafuso, a Mãe gorda inventou um monte de mentiras sobre o moleque
franzino. Mentiras que são contadas até hoje. Inventou que ele era
esnobe, que era mais fresco e que era moderno demais. Dizia até que ele
não era brasileiro.
Uns acreditaram. Outros não.
O
tempo passou e Bicudo foi melhorando. O contato com o povo surtiu
efeito. E, anos depois, com a imprescindível ajuda da massa, o filho
mais velho conseguiu finalmente ser Campeão Brasileiro de bolinha de
gude!
A Mãe gorda ficou feliz. Felicíssima! Não se aguentava de
contentamento. Ficou tão feliz que decidiu que era hora de expulsar o
filho franzino da Casa Grande. Teve a brilhante ideia de mandá-lo para
um intercâmbio bem longe. Mandou o Parafuso pra bem depois da
cordilheira dos Andes, num lugar frio e isolado chamado Santiago do
Chile.
E lá foi o menino franzino e assustado. O início foi
difícil, outro idioma, outra cultura. Mas o garoto já estava acostumado a
ser um estranho no ninho. E com seu carisma nato, sua habilidade fora
do comum e uma dose de molecagem, Parafuso saiu de Santiago com o título
de Campeão da América!
Foi sua Libertação! Voltou então para o
Brasil disposto a tomar conta da Casa Grande que seu pai lhe deu!
Afinal, também era herdeiro legítimo daquele lugar. Resolveu peitar a
Mãe Gorda e má! E foi uma briga feroz. A Mãe não estava disposta a
perder de novo. Vendeu tudo o que tinha para investir na carreira dos
filhos. E para ser ainda mais eficaz, ela decidiu escolher apenas um dos
dois. Optou pelo que chorou mais alto. Escolheu Bicudo e renegou
Cenoura.
E assim, viu o filho mais velho ficar com o Rei na
barriga. Ele passou a ganhar todas as disputas domésticas. Bicudo foi
crescendo e, quanto mais habilidade adquiria, mais arrogante ficava.
Mas, não importava o quanto jogava bem, ele nunca conseguia ser campeão
de um título importante. Nunca. Quando chegava a alguma final, sempre
esbarrava em Zé Urubu, um outro moleque super mimado filho de uma Mãe
ainda mais gorda. Uma Mãe Carioca que também usou a tática de se
aproximar das massas. E o que é pior, usava a tática de se aproximar da
arbitragem também.
Bicudo seguia tentando em vão. Cenoura se
entregou à boêmia, recolheu-se à sua pequena casa, mas sem perder a
alegria jamais. Já Parafuso sofreu muito com as mentiras e com o
isolamento. Passou anos sem conseguir um título. Parecia que seria o
fim. Finalmente o filho mais velho e mimado dominaria as ações.
Mas algo faltava àquele moleque arrogante e antipático. Algo inexplicável. Algo que separa os bons dos maus.
Ele não conseguia ser campeão de novo.
A mãe gorda chorava: “É o azar, só pode ser azar. Meu filho é o melhor do mundo”!
O tempo passou. E o filho mais velho seguia recebendo toda a atenção, mas não conseguia ser campeão.
Então, Parafuso decidiu que era hora de buscar outras terras e partir
para onde ele era querido. Pôs o pé na estrada e foi fazer sucesso mundo
afora. E assim colecionou títulos internacionais. Todo ano era um.
Supercopa. Recopa. Libertadores. O moleque franzino foi crescendo,
crescendo e se tornando um gigante. Era o sucesso entre as mulheres!
Voltou e começou a mandar na Casa Grande de novo. Sempre subestimado e
comendo pelas beiradas, começou a mandar no Brasil também. Morta de
inveja, quanto mais o menino ganhava, mais mentiras a Mãe Gorda contava.
Só que agora as mentiras não faziam efeito. O moleque era astuto,
combativo e jamais vencido.
Eis que, em um belo ano, Parafuso foi
além. Conquistou a famosa tríplice coroa da bolinha de gude. Feito
inédito no país. Em um só ano, ele conquistou tudo que poderia ter
conquistado. Foi a maior façanha de um jogador de gude de todos os
tempos.
Já não havia como comparar os dois filhos rivais. As
disputas ficaram cada vez mais desiguais. Era 5×0, 5×0 de novo, 6×1. O
menino franzino se tornou o verdadeiro dono da Casa Grande!
A
Mãe Gorda ficou louca! Seu filho era chacota nacional. Ela tinha que
fazer algo e rápido! Agora era guerra! Ela começou a se prostituir. Deu
pra banqueiro. Deu pra político. Roubou até a casa do filho mais novo e
deu para o mais velho. Foi uma vergonha. Valia tudo para ver o filho
campeão.
Tanto fez, tanto fez, que finalmente o Bicudo
conquistou (comprou) a tão sonhada taça de campeão da América. Hoje o Brasil
inteiro acha o filho dela um amor e ela morre de orgulho.
Fim.
Por Otávio Ogando
Obs: a mãe gorda é a imprensa mineira.
fonte: http://mesa-quadrada.com/2013/07/28/era-uma-vez-em-belo-horizonte-cronica-sobre-a-historia-do-futebol-na-capital-mineira/